Friday, May 25, 2007

Amadeo de Souza Cardoso

Amadeo de SOUZA-CARDOSO (1887-1918)
Amadeo de Souza-Cardoso nasce a 14 de Novembro de 1887 em Manhufe, próximo de Amarante, e morre em Espinho, vítima de “pneumónica”, ou gripe espanhola, a 25 de Outubro de 1918.Em 1906, parte para Paris com Francis Smith e instala-se no Boulevard de Montparnasse. Estuda Arquitectura, frequentando os ateliês de Godefroy e de Freynet, mas acaba por desistir do curso, por estar mais interessado em desenvolver uma actividade de desenhador e caricaturista, permanecendo atento ao movimento artístico parisiense. Em 1908, começa a assistir regularmente às aulas do pintor espanhol Anglada Camarasa, na Academia Vitti. O seu ateliê, na Cité Falguière, torna-se um dos principais centros de reunião dos artistas portugueses então residentes nesta cidade, onde se encontram para tertúlias e boémias. A partir de 1910, desenvolve uma sólida amizade com Amadeo Modigliani (com quem expõe no seu ateliê, em 1911) e relaciona-se com Juan Gris, Max Jacob, Sonia e Robert Delaunay, Otto Freundlich, Brancusi, Archipenko, entre outros. Destes contactos, Amadeo retém a informação teórica fundamental para o desenvolvimento da sua investigação plástica. A sua obra, marcada pela constante pesquisa e reformulação de conceitos e práticas pictóricas, atravessou quase todos os movimentos estéticos relacionados com a ruptura da arte convencional. Do Cubismo à arte abstracta, passando pelo Expressionismo e Futurismo, Amadeo experimenta e ensaia modalidades pessoais de entendimento destas correntes. É muito prolixa a sua produção de desenho até 1912. Esta pesquisa gráfica atinge um importante ponto de chegada neste mesmo ano, com a publicação do álbum XX Dessins, em Paris, prefaciado por Jerôme Doucet e com a ilustração do manuscrito La Legende de St Julien l’Hospitalier, de Flaubert, trazido de umas férias na Bretanha. Aqui, o artista atinge uma plena maturidade no domínio e manipulação de influências de traço e de temáticas, e na recriação de um imaginário fantástico, luxuriante e medieval. As suas primeiras experiências pictóricas datáveis de 1908, ainda presas a valores miméticos de representação dos lugares da natureza, já manifestam um olhar atento ao pós-Impressionismo e, sobretudo, à lição de Cézanne, na simplificação de massas e volumes, no uso da plasticidade das matérias.A evolução da pintura de Amadeo acaba por se encontrar naturalmente com as suas pesquisas gráficas. A partir de 1911, o pintor recupera o vocabulário decorativo dos seus desenhos, concentrando-se na definição de um estilo pessoal. A pintura Os Galgos poderá ser considerada um ponto de chegada e de depuração desse estilo, um exercício de extremo rigor decorativo e estilístico.Um idêntico impulso de simplificação formal pode-se observar na evolução do tratamento paisagístico. Massas de arvoredo densas e ritmadas, pontuadas pelo geometrismo das casas, evoluem numa indiferenciação progressiva, como se perdessem a sua referência à realidade, para se transformarem em puras soluções formais (Quadro G, c. 1912).Incapaz de se fixar a um modelo, Amadeo prossegue, por vezes em simultâneo, várias pistas de experimentação plástica. A sua atenção à realidade internacional está naturalmente presente no desenvolvimento do seu trabalho, uma atenção crítica e não alinhada. Em carta ao seu tio Francisco (1913), Amadeo nega qualquer filiação ao Cubismo, “mera caligrafia mental e literária”, ou ao Futurismo, “truc charlatão sem sensibilidade nem cérebro”. De facto, a sua passagem pelo Cubismo ou pelo Futurismo afasta-se dos vocabulários mais ortodoxos destes movimentos (Cozinha da Casa de Manhufe, Os Barcos, 1913). O artista faz desvios experimentais nas suas pesquisas plásticas e é conduzido a uma investigação mais directa na área do abstraccionismo.Em 1913, integrou o Salão de Outono, na galeria Der Sturm em Berlim, dado biográfico fundamental para se contextualizarem alguns trabalhos de carácter expressionista que desenvolve a partir daí. Ainda na Alemanha, refere exposições em Munique, Hamburgo e Colónia. Neste mesmo ano, Amadeo é convidado pelo seu amigo Walter Pach a participar na I Exposição de Arte Moderna, o Armory Show, onde sete dos seus trabalhos são colocados em importantes colecções internacionais. Na realidade, Amadeo foi o único artista português da sua geração a ter um currículo internacional significativo, sabendo retirar destes contactos o essencial para um diálogo com as rupturas artísticas do seu tempo.Surpreendido pela guerra, Amadeo regressa a Portugal no ano seguinte. Entre 1915 e 1916, convive com o casal Delaunay, então instalado em Vila do Conde. Alguns projectos comuns nascem deste convívio – exposições em Barcelona, Estocolmo e Oslo –, e nascem também da sua participação nas exposições Corporation nouvelle e Expositions mouvantes, que acabam por não se concretizar. Alguns encontros em Lisboa, com Almada Negreiros e o grupo do Orpheu, estabeleceram ainda rituais de cumplicidade entre as artes e as letras, integrados no movimento futurista. Em 1916, expõe individualmente pela primeira vez em Portugal (Porto, Jardim Passos Manuel; Lisboa, nas salas da Liga Naval) um vasto conjunto de trabalhos a que deu o nome de Abstraccionismo. No folheto-manifesto, Almada Negreiros apresenta-o como “a primeira Descoberta de Portugal na Europa do século xx”, e, no cabeçalho do jornal O Dia (4-12-1916), fez-se eco do imenso escândalo desta “Exposição original –impressionista, cubista, futurista, abstraccionista? De tudo um pouco”.Também neste ano, Amadeo publica o álbum 12 Reprodutions e, em 1917, reproduz três obras na revista Portugal Futurista, enquanto Almada lhe dedica o livro K4 Quadrado Azul.Nos seus dois últimos anos de vida, Amadeo concentra e excede toda a sua energia criativa na construção de uma síntese de referências. Os seus trabalhos finais adquirem uma dimensão objectual, no preenchimento obsessivo do espaço da tela, onde se acumulam diversos materiais, técnicas, estilos e espessuras. Colagens de objectos, trompe-l’oeil de frutos e de naturezas-mortas cubistas, sobreposições de planos, e ainda palavras, letras ou algarismos dispersos despistam os sentidos narrativos, no desenvolvimento empírico de um pensamento dadaísta (Coty).Precocemente desaparecido, Amadeo, em escassos anos de trabalho, entre Paris e Manhufe, desenvolveu a mais séria possibilidade de arte moderna em Portugal.

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